Leia crônica 'Palmeiras do rio Aquidauana', de Lacerda Alves
Por: Antônio Cezar Lacerda Alves* (www.marcoeusebio.com.br)
Num tempo distante,
Despertada pelo rufar trovejante de tambores,
Num céu nevoento e rasgado por raios luminosos,
Dependurou-se a primeira lágrima, seguida por outras tantas...
Lá embaixo, lá naqueles confins, sabedora do porvir, a terra nua e virgem, aninhou-se para receber seu rebento.
Ele desaguou indolente, atordoado...
Sabia do destino a ser cumprido.
Quase pediu que afastasse de si o seu cálice.
De repente as nuvens se esvaeceram.
As trombetas se calaram.
O céu, a vida e os morros ficaram iluminados.
O longínquo e vasto horizonte encheu os olhos do pequeno messias.
Um agourento presságio passeou pelos seus sentidos.
Pensou embrenhar-se pelas entranhas subterrâneas,
Escapar do seu fado, desertar da sua missão.
Uma grande ave, entretanto, pousou nas proximidades.
Ficaram se olhando por longo tempo.
Um discurso mudo foi travado.
Em seguida ela levantou vôo e ele, resoluto, a seguiu.
Buscou a superfície, desceu as escarpas e a seguiu.
E foi, e foi, e foi!
Ao longo de seu sinuoso caminho, arregimentou forças, conquistou outros veios.
Muitas léguas e muito tempo depois, num lugar paradisíaco, a lágrima que virou fonte, que virou riacho e que, por fim, virou RIO, teve que enfrentar sua grande peleja.
Uma peleja que se transformou num dos mais belos espetáculos da natureza:
No vigor da juventude, já caudaloso e viril, nosso destemido RIO AQUIDAUANA, para cumprir seu elevado destino, teve que enfrentar o muro maciço da SERRA DE MARACAJU.
Foi uma longa batalha.
Um demorado encontro amoroso.
Sem violência, mas com vigor e intermitência, as águas do rio foram batendo vagarosamente na pedra dura.
À distância, pousado sobre os galhos de uma piúva pantaneira, um esperançoso TUIUIU testemunhava o assombroso ato e aguardava o inesperado desfecho.
Muito tempo se passou.
De repente, numa manhã primaveril, ao som das trombetas celestes, sob o alvoroço de nuvens brancas, com o sol nascendo ali do lado, a SERRA enfim foi desvirginada.
O TUTUIU, nessa única vez na vida, deslumbrado pela magia daquela cena lírica, emitiu um canto de inigualável e afinada beleza, que ecoou pela vasta e alarmada planície.
Em seguida tudo ficou em silêncio.
O tempo parou.
A natureza ficou morta.
Virou paisagem, fotografia.
O sol foi o primeiro a se despertar.
A ave, ainda extasiada, alçou vôo.
Prosseguiu mapeando o destino que ainda precisava ser cumprido.
O RIO, ainda tonto pelo demorado e prazeroso encontro, seguiu na direção que a ave lhe apontava.
Finalmente, muitas léguas depois, para cumprir seu destino, o RIO AQUIDAUANA, entregando-se à morte, despejou suas águas na BACIA PANTANEIRA e, juntamente com outros rios que cumpriam o mesmo destino, deu vida ao nosso querido PANTANAL.
As aves e os bichos fizeram festa.
O Tuiuiú foi aclamado rei.
Muito tempo depois,
Cortado pela Estrada Parque de Piraputanga,
Às margens desse valente RIO AQUIDAUANA,
Ao pé da vigorosa SERRA DE MARACAJU,
Às margens da Ferrovia por onde passou e sempre haverá de passar o TREM DO PANTANAL,
À sombra da paisagem que marcou indelevelmente aquele encontro amoroso da natureza,
Foi erguido um povoado.
Um lugarejo rústico, de gente humilde.
Gente vinda de todos os lugares.
Pessoas que ao passarem por ali, ficaram e nunca mais saíram.
Gentes que aceitaram e respeitaram a natureza como ela é.
Gentes que se integraram e se transformaram em elementos da própria natureza.
Gentes que se transformaram em guerreiros protetores dessa beleza sem igual.
Gentes que, para não desbotarem a natureza, viraram pássaros e transformaram suas casas em ninhos.
Gentes que ao semearem sonhos, regados pela amizade, viram nascer um feliz vilarejo.
Um vilarejo cercado de coqueiros, macaúbas, buritis...
Um vilarejo que se transformou em Palmeiras.
PALMEIRAS DO RIO AQUIDAUANA.
(*Antônio Cezar Lacerda Alves é advogado militante em Campo Grande-MS)
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